sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Das pessoas que conheci no Ribeirão

Hoje não temos muito vento por aqui e o frio diminuiu bastante. Esses dias foram os piores desse inverno aqui em Minas Gerais. Maria da Fé, eleita a cidade mais fria do estado, teve uma temperatura de até - 2 graus. Belo Horizonte, nas últimas madrugadas esteve muito frio também e como essas temperaturas não são normais por aqui, todos ficam incomodados sem aquecedor ou uma lareira que na verdade são coisas inexistentes nas casas da maioria da população.
Mamãe nos conta que antigamente, quando a industrialização ainda era fraca no pais e tudo era muito caro e difícil de se adquirir, as pessoas sofriam com o frio. Os casacos e cobertores eram de algodão, tecidos nas rocas. Poucos tinham acesso a lã ou a algum tecido mais encorpado. O que ajudava a aquecer eram as fogueiras improvisadas.
Gosto de ouvir as histórias sobre a vida no passado, mas acho melhor ainda quando vamos visitar o Ribeirão. Lá é possível observar uma gente bem simples e com modos tão distintos que as vezes encanta e outras vezes espanta.
Dona Maria do Sô Abelardo é uma dessas pessoas. Não sei se ela ainda está viva, mas da última vez que estive com ela já era praticamente centenária. Ela é prima de um dos meus bisavós maternos. É uma gente que vive muito anos, mesmo em condições precárias no interior. Ficou famosa no Ribeirão porque faz quitandas como ninguém. É um dom hereditário nessa família. 
Os moradores de lá contam que quando ela era mais nova e as coisas não andavam bem para o bolso do marido ela fazia muitas quitandas e saia vendendo, mas quase nunca conseguia chegar na praça da cidade com o cesto cheio. No caminho todos corriam para disputar as delicias de Sá Maria do Sô Abelardo, como é conhecida.
Muitas vezes fomos na casa dela. É um ambiente bem simples e tradicionalmente mineiro. Uma sala pequena com as paredes cheias de quadros de santos, fotos antigas de pessoas da família, a folhinha de Mariana que não pode faltar na casa de um bom mineiro do interior, pois trás o calendário de plantio para o ano todo, marca as voltas da lua, dias dos santos, orações e mais coisas que não me lembro agora. Não tinha sofá, era uma mesa e uns bancos de madeira. Tudo muito asseado.
Ela de lenço nos cabelos cobrindo os ouvidos para não pegar friagem, saia bem comprida e de um estampado suave, conversava sobre tudo e quando não gostava do assunto respondia asperamente.
Um dos melhores momentos de nossa visita era quando ela dizia que ia preparar o café. Café de fogão a lenha com rapadura e muitos biscoitos que ela fazia e guardava numas latas dentro de sacos de algodão para oferecer a suas visitas. Aqui em Minas, no interior, uma vez por semana as mulheres fazem biscoitos e outras quitandas para estarem sempre prevenidas para quando chega alguém de fora e também para o café das crianças. 
É interessante o jeito de se preparar essas gostosuras. Tudo é feito com ingredientes do quintal. Dos ovos ao polvilho. Em fornos a lenha feitos com casa de cupim ou tijolos.
Outra mulher engraçada é Sá Linda. Já tem uns oitenta e poucos anos e é viúva. Teve treze filhos e só três deles vivem lá na fazenda. Os outros estão espalhados pelo mundo e só se reúnem no dia do aniversário da mãe. Segundo contam, a família cresceu tanto que os últimos a chegarem tem que ficar acampados no terreiro.
Acontece que Sá Linda não deixa aumentar o tamanho da casa. Os filhos tem dinheiro para reformar tudo, mas ela disse que só depois que ela for para debaixo da terra é que eles vão poder mudar o que o marido dela construiu. De tão arruinado, do paiol caiu uma das paredes e as outras estão escoradas.
É uma fazendola tão antiga que até o curral ainda é daquele modelo que a janela da sala dá para dentro dele. As vezes você olha lá para fora e dá de cara com uma das vacas olhando para dentro de casa. E o cheiro de estrume então ...
Acho que de tanto querer manter tudo como nos tempos antigos ela vai acabar é acelerando a destruição daquela casa. Onde já se viu: quer preservar, mas não deixa restaurar. 

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