Hoje o céu está azul como o anil, mas os ventos de agosto sopram frio, gelado mesmo. Acho um triste contraste. Os dias de céu bonito deveriam ser sempre quente para aproveitarmos melhor. E esses ventos frios deveriam ficar para os dias nublados e chuvosos. Enfim, Deus e a natureza fizeram uma combinação e eu tenho mais é que ficar na minha, mesmo não concordando.
No meu tempo de criança, em dias como esse minha mãe nos obrigava a usar touca de lã, porque ela tinha muito medo que ficássemos com dor nos ouvidos e ainda nos colocava muito cedo para dentro de casa. Na verdade, na melhor hora da brincadeira com as crianças da vizinhança. Nós muitas vezes aguardamos uma distração dela e saímos escondidos para nos unirmos novamente com os colegas de brincadeira. Quando ela desconfiava, já havíamos aproveitado bastante e nem ligávamos de receber umas doídas chineladas.
Na rua em que eu morava todos éramos muito conhecidos uns dos outros. As famílias se mudaram para lá na mesma época e juntos enfrentavam os problemas e dividiam as alegrias. Até que um dia a moradora mais idosa do lugar resolveu vender a sua casa indo morar com uma de suas filhas. O novo proprietário ninguém conhecia, mas vez ou outra chegava ou partia um novo inquilino.
Um dia, parou em frente ao portão dessa casa um caminhão de mudanças e junto a ele um carro Fiat 147 de onde desceu um homem alto, magro, elegante e uma mulher de muita boa aparência. Eram os novos moradores.
Zé da Tina, como ficou conhecido nas redondezas, era um homem que destoava dos outros ali da rua. Tinha estudo, bom emprego e carro da moda. Era um homem moderno e sempre de bem com a vida.
Seu único problema era o vicio de frequentar bares para beber cerveja com os colegas. Isso deixava sua mulher de cabelos em pé. Ela incomodava toda a vizinhança com a demora do Zé para chegar em casa depois do trabalho. Pedia aos meninos para procurá-lo nos bares das ruas paralelas e transversais. Reclamava nos ouvidos das outras mulheres, que tinham que arrumar argumentos para lhe dar consolo.
Nas sextas-feira é que a coisa ficava preta. Já havia naquele tempo o costume popular de dizer que a sexta-feira é o dia internaconal da cerveja, somando-se a isso o fato da nossa cidade ser considerada um das que mais bares possui no país. Não podia dar outra: o Zé virava a noite bebendo.
Numa dessas sextas-feira, ele bebeu muito nos bares do centro da cidade, depois pegou o õnibus e veio para o bairro. No caminho de casa, entrou no primeiro bar que encontrou e mais alguns copos fez descer goela a baixo. Lá pelas tantas da madrugada, convidou os colegas que com ele bebiam para irem a sua casa, beber e cantar. Ele gostava de música.
Chegando em casa foi logo acordando a Maria para fazer-lhes uns tira-gosto. A mulher diante dos outros homens sentiu vergonha de negar-lhe o pedido e preparou-lhes algumas coisas.
Em casa, além da cerveja beberam também uísque, cachaça e outras bebidas fortes. Ligaram o som e aí os vizinhos começaram a ficar incomodados. O som, um aparelho daqueles enormes dos anos 80, era um dos orgulhos dele. Com o som, a dança e a cantoria tomou conta da casa até que de repente o Zé deu um pinote e caiu para trás.
Um dos companheiros saiu correndo e foi chamar um motorista que morava na rua de cima para acudir o Zé. Embriagados, nenhum deles conseguiria dirigir até o pronto-socorro.
O homem chega e tira o carro da garagem. Os outros carregam o Zé até a rua para colocá-lo no veiculo. E a Tina assustada não sabia o que fazer. Estava morta de vergonha porque os vizinhos já estavam todos na rua olhando o ocorrido e tecendo comentários maldosos.
Com muita dificuldade começam a colocar o homem desfalecido porta a dentro do carro, quando então ele acorda, dá um pulo e pergunta o que está acontecendo, com cara de quem não se lembrava de nada.
Olha bem para todos e diz:
- Meus amigos aqui! Vamos entrar que eu vou ligar o som. Tina, faz uns tira-gosto porque meus amigos estão aqui e nós vamos comemorar!
E assim, todos foram para suas casas, enquanto o casal iniciava uma nova briga, das várias que o tempo os reservou ...
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