segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Aleijadinho : pensando em arte, história, barroco ...

“A história da arte não é apenas uma história de obras, mas também de homens. As obras de arte falam de seus autores, dão a conhecer o seu íntimo e revelam o contributo original que eles oferecem à história da cultura.” (Trecho da Carta do Papa João Paulo II aos Artistas – Paulinas – 1999 – pág.8)

O Aleijadinho faleceu na Freguesia de Antonio Dias em 18 de novembro de 1814, também seu local de nascimento. Na tábua que cobre a sua sepultura aos pés do altar de Nossa Senhora da Boa Morte, na matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, está escrito: “ Antonio Francisco Lisboa  - O Aleijadinho -   1738 – 1814”.

Delson Gonçalves Ferreira, em seu livro “ O Aleijadinho”, na página 33 da 2ª edição, deixa em aberto a seguinte questão: Quem escreveu e com que provas?
As dúvidas existem porque não há um consenso entre os pesquisadores e as poucas provas documentais que relatam dados sobre a provável data de nascimento do escultor.

O primeiro biógrafo do Aleijadinho foi o professor Rodrigo Bretas. Seus estudos são baseados numa certidão de batismo que apresenta o nome do pai de Antonio Francisco Lisboa como sendo Manuel Francisco da Costa do Bom Sucesso, ao invés de Manuel Francisco da Costa Lisboa. Seria o sobrenome Lisboa referente ao local de onde o pai do mestre havia vindo (ou nascido) e Bom Sucesso ao local onde morava quando o filho Aleijadinho nasceu? Homônimo de pai e mãe?

A segunda suposta data de nascimento vai de encontro ao cálculo que tem por base a citada idade do escultor por ocasião de sua morte, 76 anos conforme certidão de óbito. Para ter essa idade ele teria que ter nascido em 1738. Consideremos aqui a possibilidade de um erro de informação nos registros de datas e idades pelo escrivão.

Há uma descoberta recente feita por um promotor do patrimônio que se especializou nos estudos sobre a vida e obra do artista barroco,  de outro registro de batismo com data de 1737, o qual ele afirma ser o verdadeiro. Alguns historiadores levando em consideração a data de execução da primeira obra de Aleijadinho estimam sua data de nascimento no ano de 1728.

No período colonial  não se dava muito rigor às datas, tanto que a certidão de batismo é que em via de regra determinava a data de nascimento da criança que na verdade confundia-se com a data da obtenção do sacramento. Dificilmente a criança era batizada no dia de seu nascimento. No caso de filhos bastardos e escravos a morosidade devia ser ainda maior, pois dependia da resolução de conflitos familiares e morais.

Numa sociedade escravagista, ser filho de pai  branco, com mãe negra não era coisa rara, mas o preconceito tornava difícil assumir a paternidade. No caso do Aleijadinho o fato de que a sociedade mineradora ocupava-se da busca pelo enriquecimento com a exploração do ouro, deixou que detalhes como a sua alforria e a convivência com o pai português e sua posterior formação familiar  passarem despercebidos  pela censura da sociedade.

Uma contribuição para sua aceitação social foi o seu talento para a arte barroca. Ao provar que sabia fazer o melhor para o momento e tendo o amparo profissional da Igreja Católica, das irmandades religiosas e das congregações dos carmelitas e franciscanos, passa a ser respeitado como profissional e como cidadão, dentro dos limites dos direitos reservados aos bastardos, mestiços e pobres.

A arte reconhecida hoje como patrimônio da humanidade, obra de um gênio que criou um novo estilo da arte barroca  por ele desconhecida, no século XVIII era apenas um trabalho que garantia a sobrevivência do entalhador. O trabalho de escultor, entalhador, projetista, era apenas um ofício comum que como toda profissão tinha especialistas e dentro da normalidade eram contratados por quem os podia pagar.

Como um ser mortal, Aleijadinho envelheceu e adquiriu ou desenvolveu doenças que aos poucos o levaram a óbito. Digo doenças porque não se tem um diagnóstico definido sobre a enfermidade degenerativa que rendeu-lhe o apelido. Após várias exumações, os médicos ainda oscilam entre a hanseníase e a porfiria.


A etapa de vida na qual Antonio Lisboa doente passa a ter que readaptar sua condição física com as atividades profissionais é também um momento no qual a vida política e econômica nas Minas Gerais se torna ainda mais opulenta, devido à decadência da mineração que de certa forma deve ter desestabilizado a demanda de serviços para sua equipe. Sim, equipe. O nosso gênio do barroco mineiro coordenava uma equipe de discípulos escravos.

8 comentários:

  1. Que linda aula deste aqui.Importante obra a dele! Lindo! bjs, tudo de bom,chica

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  2. Anabela: Gostei de ler esta história mas me parece uma linda aula de História amei.
    Beijos
    Santa Cruz

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  3. De arte barroca, nós mineiros entendemos bem.

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  4. A bela arte barroca das Gerais.
    Aqui um belo relato deste artista superador.
    Quando estive em Caeté a muitos anos atrás, o guia disse que lá em Caeté foram os primeiros trabalhos de Aleijadinho...
    Uma abração Ana.
    Boas chuvas nas Gerais.

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  5. Olá, querida Anabela
    To com muita saudade de ir à MG e visitar a Igreja com os profetas de Aleijadinho...
    MG é tudo de bom!!!
    Lindo post!!!
    Bjm fraterno

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  6. Nada no Brasil alforriou mais escravos do que o ouro mineiro. O ouro era tão farto que se permitia aos escravos minerar as sobras, além do extravio que também era muito comum. Uma vez acumulado cerca de 1 quilo e meio de ouro, o escrava podia pagar por sua alforria, geralmente com intervenção da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos Alforriados. Com isso, formou –se em Minas uma pujante classe média formada por negros forros e mulatos, artífices e prestadores dos mais variados serviços demandados pela complexa e urbana sociedade mineradora. Coisa inédita até então: pela primeira vez na história do Brasil fugia-se ao modelo da Casa Grande/Senzala. Outra prática comum aos portugueses era a de alforriar, no nascimento, seus filhos com as negras. Foi a caso de Aleijadinho, que era filho de um português com uma mulata. Aliás, em Minas, a mulata era a preferida. Ao contrário do inglês que empregava em suas colônias a teoria do Racionalismo Racial, ideologia baseada na superioridade da raça branca que impossibilitava a miscigenação e muito mais tarde resultaria no apartheid na Africa do Sul e na segregação racial nos EUA e na Índia, o português demonstrava muita facilidade para misturar se misturar aos colonizados, inclusive com os indígenas. É por isso que em nenhum outro ponto do Brasil, nem mesmo na Bahia ou no RJ, houve tanta miscigenação e sincretismo cultural quanto em Minas.

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  7. Ótimo! Este blog é melhor do que as conversas fiadas de muitos "professores"!

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